Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
18 de Abril de 2024

Termos rebuscados atrapalham a compreensão de sentenças judiciais e textos do Direito

Publicado por Anderson Almeida
há 10 anos

Por Marcio Maturana

Em vez de cadeia, “ergástulo público”. No lugar de viúvo, “consorte supérstite”. E cheque não, mas sim “cártula chéquica”. Palavras do nosso idioma estranhas e desconhecidas, entrecortadas por expressões e citações em latim, uma língua morta, tornam incompreensíveis muitas sentenças judiciais e outros textos do Direito. O costume de inviabilizar a comunicação existe não só entre juízes, mas também entre advogados e outros profissionais da área. A orientação pela informação clara e compreensível, porém, cresce bastante entre os próprios magistrados.

A Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) já fez uma intensa campanha a favor da simplificação da linguagem jurídica. A partir de 2005, foram feitos concursos para estudantes e magistrados, palestras com o professor Pasquale Cipro Neto e distribuição de uma cartilha com glossário de expressões jurídicas. A iniciativa foi motivada depois que uma pesquisa do Ibope encomendada pela própria AMB revelou que a população brasileira se incomodava não só com a lentidão dos processos na Justiça, mas também com a linguagem hermética, prolixa e pedante.

Nossa campanha de 2005 deu ótimos frutos. A maioria dos juízes que não priorizava a clareza nas sentenças corrigiu alguns excessos. Até hoje a cartilha que preparamos é buscada, mas não foi mais atualizada. Talvez a AMB volte a implementar as ações da campanha contra o “juridiquês” no ano que vem — disse o desembargador Nelson Calandra, presidente da AMB.

Quatro anos em vão

No Congresso, a iniciativa mais direta contra o “juridiquês” foi o Projeto de Lei da Câmara 7.448/06, apresentado pela então deputada federal Maria do Rosário.

O texto determinava sentenças em ­linguagem simples, clara e direta. Foi aprovado pela Câmara em 2010, através de um substitutivo de José Genoino, mas quando chegou ao Senado, em dezembro de 2010, não pôde tramitar porque a Casa havia acabado de aprovar o projeto de novo Código de Processo Civil.

Mais do que servir como uma ferramenta para afastar e dominar a situação os termos incompreensíveis num raciocínio tortuoso acabam agredindo a própria Constituição Federal, lei máxima do país, na opinião do juiz André Nicolitt, que também atua como professor de Direito na Universidade Cândido Mendes e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

A linguagem rebuscada e inacessível viola os princípios constitucionais do acesso à Justiça e da publicidade. É um exercício de poder, uma violência simbólica para mostrar erudição e ­autoridade. Numa cultura jurídica menos autoritária, teremos uma linguagem mais acessível. O uso de termos incompreensíveis ao cidadão comum não é uma prática apenas de magistrados, pois muitos advogados também fazem isso. Sem bons argumentos, tentam impressionar com jargões e frases de efeito. Mas tudo não passa de uma cortina de fumaça: muito barulho por nada — afirmou o juiz.

Dilema nas faculdades

Apesar de muitos dos atuais jovens profissionais de Direito defenderem uma linguagem mais clara nos tribunais, Nicolitt não percebe nas faculdades onde dá aulas nenhuma inquietação sobre esse problema entre a futura geração de advogados e juízes.

Os alunos chegam muito passivos, na expectativa de aprender, e acabam aceitando o que lhes é apresentado. Na formação dos profissionais de Direito, esse costume é ruim porque cria um mundo distante da realidade. Parece que todo mundo vive ali, dentro daqueles limites e sem referenciais com o mundo exterior. Isso ainda é bem forte no ambiente acadêmico — lamentou o professor.

Os novos livros de Direito são um caminho para mudar esse cenário, segundo Nicolitt. Ele, que é autor de títulos como Manual de Processo Penal e Novo Processo Penal Cautelar, garante que a literatura jurídica atual segue a tendência de se tornar mais objetiva, até por uma exigência do mercado. A ­expectativa é que esses novos textos mais claros “façam a cabeça” dos futuros profissionais.

Mesmo os defensores de textos jurídicos mais claros e diretos, porém, ressaltam que o objetivo não é chegar a algo próximo do coloquialismo, da forma que acontece nos textos jornalísticos. A linguagem técnica faz parte do diálogo até de outras categorias profissionais, como médicos ou engenheiros.

Nas sentenças, às vezes é inevitável usar alguns termos em latim, porque muitos princípios vieram do direito romano e não há tradução fidedigna. Afinal, nas sentenças você não se comunica apenas com o público leigo, mas também com outros tribunais e com advogados — argumentou o juiz Nicolitt.

Ele acrescenta, ainda, que até algumas palavras e expressões em latim já não criam dificuldade de comunicação da Justiça com o público leigo. Habeas corpus, por exemplo, todo mundo sabe o que significa e está presente dessa forma, sem explicação ou tradução, até na Constituição federal.

Sentenças poéticas

No caso das sentenças, existe ainda a questão do estilo pessoal, já que o juiz assina o documento.

Concordo que precisamos aprimorar a comunicação, mas temos que respeitar a redação da sentença como o momento daquele profissional que a assina. Até jornalistas têm estilos diferentes — comparou Calandra, da AMB.

O desembargador lembra que muitos juízes preferem apresentar um estilo mais literário. Não é ­incomum que algumas sentenças sejam redigidas até de forma poética, com versos. Conjugando bom humor e seriedade.

O bom humor contra o “juridiquês” também está presente no artigo que o ex-presidente da AMB, desembargador Rodrigo Collaço, escreveu aos juízes em 2005 na Tribuna do Direito para defender a simplificação da linguagem jurídica. O primeiro parágrafo é assim:

“O vetusto vernáculo manejado no âmbito dos excelsos pretórios, inaugurado a partir da peça ab ovo, contaminando as súplicas do petitório, não repercute na cognoscência dos frequentadores do átrio forense. Ad excepcionem o instrumento do remédio heróico e o jus laboralis, onde o jus postulandi sobeja em beneplácito do paciente (impetrante) e do obreiro. Hodiernamente, no mesmo diapasão, elencam-se os empreendimentos in judicium specialis, curiosamente primando pelo rebuscamento, ao revés do perseguido em sua prima gênese”.

Defensores de linguagem clara nos tribunais frequentemente lembram uma história que teria acontecido num tribunal de Santa Catarina. “Encaminhe o acusado ao ergástulo público”, disse o juiz. Dois dias depois, a ordem ainda não havia sido cumprida porque ninguém sabia o significado de “ergástulo” — palavra arcaica usada como sinônimo de cadeia.

Casos assim não faltam nos tribunais brasileiros. Há dois anos, a ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi contou ao jornal Gazeta do Povo, do Paraná, o episódio de um julgamento em que uma senhora de idade avançada podia perder a casa onde morava.

Após longa deliberação dos magistrados, a decisão foi proferida com ex­­pressões técnico-jurídicas e o caso foi dado por encerrado. Nancy percebeu a aflição da senhora e quebrou o protocolo ao perguntar se ela havia compreendido a decisão. A resposta, obviamente, foi não. Desde então, a ministra mantém um projeto pessoal de simplificação das decisões judiciais, “traduzindo” suas principais decisões para a linguagem coloquial, no site www.nancyandrighi.stj.jus.br.

Senado apresenta “tradução” de resumos de projetos no seu site

Nascedouro das leis que vão basear as decisões dos juízes, o Senado já se preocupa com a clareza logo na apresentação dos projetos que estão tramitando. Quando o cidadão faz uma pesquisa sobre qualquer projeto na página www.senado.gov.br/atividade/, encontra na aba “Identificação da matéria” o nome do autor do projeto, depois a ementa apresentada no texto parlamentar e, logo abaixo, o item “Explicação da ementa” — um serviço criado há aproximadamente dois anos para facilitar e agilizar o entendimento de todas as proposições.

A ementa deve ser um resumo do projeto, mas às vezes ela não explica suficientemente. É muito comum que diga apenas, por exemplo, “altera o artigo tal da lei tal” — afirmou a secretária-geral da Mesa, Claudia Lyra.

Ela conta que o serviço se antecipou às exigências da Lei de Acesso à Informação, que obriga órgãos e entidades da administração federal a divulgarem uma série de informações em suas páginas na internet, além de abrirem espaço para solicitação de acesso a informações.

Uma equipe de sete pessoas na Secretaria-Geral da Mesa trabalha na explicação das ementas logo que os documentos são apresentados para exibição no site. Todas têm formação em Direito, o que permite a tarefa de “tradução” dos termos originais dos projetos de lei.


Fonte: http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2012/06/26/termos-rebuscados-atrapalhamacompreensao-de-sentencas-judiciaisetextos-do-direito

  • Sobre o autorApreciador do Direito. JusBrasileiro desde 2012
  • Publicações7
  • Seguidores16
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações6977
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/termos-rebuscados-atrapalham-a-compreensao-de-sentencas-judiciais-e-textos-do-direito/139974091

Informações relacionadas

Consultor Jurídico
Notíciashá 8 anos

Simplificação da linguagem jurídica tornou-se uma exigência

Altilinio Matias Louro, Advogado
Modeloshá 5 anos

Elementos para auxiliar a redação jurídica

Altilinio Matias Louro, Advogado
Notíciashá 6 anos

Citações e frases jurídicas

Tribunal Superior do Trabalho
Jurisprudênciahá 21 anos

Tribunal Superior do Trabalho TST - APELACAO CIVEL: AC XXXXX-60.2002.5.00.0000 XXXXX-60.2002.5.00.0000

Rafa Rocha, Bacharel em Direito
Artigoshá 6 anos

A linguagem jurídica como obstáculo ao acesso à justiça

16 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

"Isso me acalmou, foi difícil entender o professor com uma linguagem tão jurídica no meu primeiro dia de aula, fiquei espantada todas palavras que pensei:"-Elas existem??"Essa matéria e perfeita...Quero a cartilha Juridiquês!!!Abraços continuar lendo

A linguagem jurídica deve tornar-se mais didática e objetiva, para facilitar a compreensão do que se pleiteia em juízo e do que se decide, no intuito de tornar essa linguagem mais acessível à população e agilizar o trabalho dos profissionais que atuam na área jurídica (advogados, promotores, juízes, escreventes, oficiais, etc).

Porém, a linguagem permanecerá técnica, com a utilização de termos técnicos inerentes ao Direito, afinal de contas, toda ciência é pautada em rigor terminológico.

Para confirmar essa posição, o próprio texto do artigo dispõe:

"Mesmo os defensores de textos jurídicos mais claros e diretos, porém, ressaltam que o objetivo não é chegar a algo próximo do coloquialismo, da forma que acontece nos textos jornalísticos. A linguagem técnica faz parte do diálogo até de outras categorias profissionais, como médicos ou engenheiros.
Nas sentenças, às vezes é inevitável usar alguns termos em latim, porque muitos princípios vieram do direito romano e não há tradução fidedigna. Afinal, nas sentenças você não se comunica apenas com o público leigo, mas também com outros tribunais e com advogados — argumentou o juiz Nicolitt."

A linguagem jurídica não será coloquial, pois uma linguagem prosaica não se coaduna com o nível técnico e científico que o Direito exige, uma vez o vasto conhecimento adquirido pelos profissionais jurídicos durante anos de estudo lhes proporciona uma abordagem técnica o suficiente não só para comunicação, como também para atender outra finalidade que é a persuasão, mediante argumentos técnicos.

Desse modo, deve haver um equilíbrio, pois a linguagem jurídica não pode ser hermética a ponto de dificultar a compreensão até mesmo dos operadores do ordenamento jurídico, mas também não será uma linguagem vulgar que se fala em bares e rodas de bate-papo.

A medida correta não seria forçar os mais cultos a se expressarem de modo mais simples, mas sim estimular os menos estudados a buscarem maior cultura. continuar lendo

Concordo com vc em gênero, núnero e grau.

Caso contrário, devemos todos deixas nossas casas, conseguidas com o nosso sacrifício e tenacidade, e ir morar na favela para aprendermos a falar "nos vai, nois fumu, é isso ai mano".

No Brasil, as pessoas têm o péssimo hábito de quererem que o menos seja mais, ou seja; aqueles que não têm condições/oportunidades de buscarem cultura e civilidade sejam o modelo a ser seguido.

Deveríamos seguir Judas, e não Jesus Cristo.

Vale aqui um comentário, com a "nova gramática", fruto da mente de nosso, felizmente "EX PRESIDENTE", que mudou toda a regra de acentuação para facilitar a vida dos analfabetos, porém, quem tem DISLEXIA, que não são tão poucos assim, não podem mais usar o programa de conversão de texto em voz para poder estudar, pois o resultado é um desastre, igual a essa atitude insana.

Sinto esse problema na pelé. O que o Brasil tem a ver com o "português do resto do mundo, se o país com maior número de pessoas com o idioma portugues, é o Brasil, e mesmo se não fosse, porque uma decisão sem saber na realidade a sua"conseqüência". Ato próprio de uma presidente evidentemente culto. continuar lendo

Num mundo onde as coisas se modificam tão rápido, onde a burocracia trava qualquer procedimento, a morosidade nas decisões, enfim, ainda temos que ler ou utilizar uma "linguagem morta" como diz o texto, realmente desnecessária.
Ouvi de um magistrado conservador; "Dr, desculpe-me o comentário, o Sr usa uma linguagem bem simples nas suas peças", respondi; sim, para agilizar e leitura, o bom entendimento e a fluidez do processo, utilizou-se da tréplica, "perfeito". continuar lendo

Sou engenheiro civil e amante da "Última Flor do Lácio". Costumo encontrar erros repetidos como, por exemplo, "em anexo". Qualquer boa Gramática ensina que "anexo" é um adjetivo e, portanto, não pode ser preposicionado. Há algum tempo ouvi o insigne Ministro Joaquim Barbosa pronunciar a palavra "leguleio"; fuii ao Aurélio e aprendi. E penso que há leguleios à solta por todo este nosso Brasil...
Já vi um documento jurídico onde encontrei : "A nossa Constituição Brasileira...".
Se a Constituição é nossa, ela é brasileira; se a Constituição é brasileira, ora, pois, ela é nossa. Grosseiro Vício de Linguagem! continuar lendo

Permita-me lhe corrigir, prezado engenheiro Nelson: talvez nao saiba, mas o Brasil é formado pelo sistema federativo, o que permite que os Estados-membros tenham suas próprias constituições. Logo, sempre que alguém se referir à constituição, não necessariamente será a brasileira (da República), mas pode ser também a de algum Estado da federação, como São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, etc. Falar "nossa Constituição brasileira" não está errado, do ponto de vista jurídico. continuar lendo

Bela resposta Diego! continuar lendo

Rsrsrs.. Armadilhas do Saber em engenheiro Nelson!!! Qualquer bom livro de direito constitucional nos ensina sobre as constituições e consequentemente sobre nosso sistema Federativo, rsrsr.. Muito bem lembrado Diego. continuar lendo